domingo, 7 de outubro de 2012

Opinião

"Um filósofo alemão chamado Peter Sloterdijk escreveu algures que o ser humano é o único animal que extravasou os seus próprios eixos: não só porque dizimou outras espécies ou inventou armas de destruição maciça para derramar sangue do seu sangue, mas também, e sobretudo, porque se achou no direito de reclamar os seus direitos, a existir em demasia, a sobressair-se, a ter relevo. Casar, ter filhos, temperar a carne, fazer arte, caminhar sobre a Lua, criar antibióticos... o ser humano é a única espécie animal a desejar ALGO, a ter desejo DE. Assistir ao vosso espetáculo fez-me pensar no seguinte: Kurt Cobain é apenas um nome, a pairar sobre uma peça que nunca o invoca diretamente, nunca o ameaça; Kurt Cobain pôs fim à sua vida por razões que só mesmo ele poderia enumerar, razões que não têm nome nomeável, segundo os códigos verbais humanos (eles próprios apenas mais um eixo de um eixo maior descentrado); Kurt Cobain, lê-se nas músicas, não queria sucumbir ao desejo DOS outros, o desejo que esses OUTROS fizeram do seu nome até que este perdesse todo o seu sentido (ontológico) para o cantor. Moral da história (sem qualquer moral): quando uma peça chamada "Kurt Cobain" não obedece - à letra - às expectativas que o seu nome lança, não estará a fazer a melhor vénia possível a quem ganhou um excesso de nome (status, ícone, poder) e que, para recuperar o pouco que era só seu, teve de pôr fim à vida que lhe vestiram, despindo-se irremediavelmente DA SUA? Parabéns a todos: aos miúdos e aos dois graúdos, cujos nomes merecem tanto as palmas como as invocações. Tudo de bom!"

por Diogo Martins


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