terça-feira, 10 de abril de 2012

O meu apelido é Cobain

(...) poderia ser um Kurt Cobain qualquer. (Kurt Cobain)


No princípio ‘Kurt Cobain’ era, para mim, uma identidade desconhecida mas povoada de inúmeras projeções que ia descobrindo nela. Uma lista de atitudes; uma lista de deambulações, interminável; uma lista de canções que ouvi uma e outra vez, algumas por minha vontade (outras nem tanto); uma lista de impulsos, velozes, lentos, ternos, violentos; uma lista de pensamentos em forma de frase, em forma de gesto, em forma de grito. Um palimpsesto que escrevia e apagava para deitar fora e começar de novo.
Aos poucos fui descobrindo que era interminável esta relação que mantinha, secretamente, com qualquer coisa por descobrir, eternamente. O palimpsesto em que ia escrevendo a minha ficção apresentou-se, como que por vontade própria, à face múltipla do real – talvez o tenha feito pela vontade de se continuar a escrever, de começar a acabar. E foi aqui que ‘Kurt Cobain’ se começou a expandir e a abrir aos múltiplos olhares que, com ele, se começam agora a cruzar. Multiplicam-se agora as hipóteses, torna-se marca, indivíduo, grupo, objeto memorial, corpo em transformação permanente – como se tivesse, por vontade própria, vontade de se perpetuar.
Alexandra, Beatriz, Carina, Carla, Cristiana, Helena, Inês, Jessica, Joana, João, Margarida, Mariana, Marta, Rute, Telma, Zara assumem-se agora como outras faces de Kurt, aceitando o apelido Cobain. Ele (quem é Ele?) irrompe como mecanismo de criação, de continuidade da ficção e abre-se ao real, numa tentativa de voltar à vida (espécie de reincarnação). São fantasmas da minha vida passada que se manifestam agora à minha frente, ao meu lado, atrás de mim, que me cercam, que me podem tocar e ser tocados. E tudo isto acontece sem qualquer espécie de “macumba”; é bem real o que está a acontecer com este nome, palpável ou não, reconhecível ou irreconhecível, ele vive e transpira e respira.
‘Kurt Cobain’ já não é Kurt Cobain, Kurt Cobain já não é Kurt nem é Cobain. Precisa de ser descoberto, investigado, experimentado. Tornou-se secreto, objeto íntimo que ora se desvenda ora se esconde. Tornou-se promessa que cada um transporta. Está ao virar da esquina, escreve-se enquanto caminha, senta-se ao lado dos outros enquanto os observa e é observado. Kurt Cobain está a caminhar neste momento, enquanto o mundo se congela à sua volta e ele se tenta misturar na paisagem que o envolve.

Ana Gil & Nuno Leão

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