(...) poderia ser
um Kurt Cobain qualquer. (Kurt Cobain)
No
princípio ‘Kurt Cobain’ era, para mim, uma identidade desconhecida mas povoada
de inúmeras projeções que ia descobrindo nela. Uma lista de atitudes; uma lista
de deambulações, interminável; uma lista de canções que ouvi uma e outra vez,
algumas por minha vontade (outras nem tanto); uma lista de impulsos, velozes,
lentos, ternos, violentos; uma lista de pensamentos em forma de frase, em forma
de gesto, em forma de grito. Um palimpsesto que escrevia e apagava para deitar
fora e começar de novo.
Aos
poucos fui descobrindo que era interminável esta relação que mantinha,
secretamente, com qualquer coisa por descobrir, eternamente. O palimpsesto em
que ia escrevendo a minha ficção apresentou-se, como que por vontade própria, à
face múltipla do real – talvez o tenha feito pela vontade de se continuar a
escrever, de começar a acabar. E foi aqui que ‘Kurt Cobain’ se começou a
expandir e a abrir aos múltiplos olhares que, com ele, se começam agora a
cruzar. Multiplicam-se agora as hipóteses, torna-se marca, indivíduo, grupo,
objeto memorial, corpo em transformação permanente – como se tivesse, por
vontade própria, vontade de se perpetuar.
Alexandra,
Beatriz, Carina, Carla, Cristiana, Helena, Inês, Jessica, Joana, João,
Margarida, Mariana, Marta, Rute, Telma, Zara assumem-se agora como outras faces
de Kurt, aceitando o apelido Cobain. Ele (quem é Ele?) irrompe como mecanismo
de criação, de continuidade da ficção e abre-se ao real, numa tentativa de
voltar à vida (espécie de reincarnação). São fantasmas da minha vida passada
que se manifestam agora à minha frente, ao meu lado, atrás de mim, que me
cercam, que me podem tocar e ser tocados. E tudo isto acontece sem qualquer
espécie de “macumba”; é bem real o que está a acontecer com este nome, palpável
ou não, reconhecível ou irreconhecível, ele vive e transpira e respira.
‘Kurt
Cobain’ já não é Kurt Cobain, Kurt Cobain já não é Kurt nem é Cobain. Precisa
de ser descoberto, investigado, experimentado. Tornou-se secreto, objeto íntimo
que ora se desvenda ora se esconde. Tornou-se promessa que cada um transporta.
Está ao virar da esquina, escreve-se enquanto caminha, senta-se ao lado dos
outros enquanto os observa e é observado. Kurt Cobain está a caminhar neste
momento, enquanto o mundo se congela à sua volta e ele se tenta misturar na
paisagem que o envolve.
Ana Gil & Nuno Leão
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